Gustavo Macedo*
Uma agenda ganhou a atenção da comunidade internacional nas últimas três décadas: a proteção de civis, ou PoC (do inglês protection of civilians) em operações de paz. Paralelamente, cresceu a necessidade de se entender o significado da PoC em seus aspectos históricos, políticos e legais – particularmente no que diz respeito à sua aplicação em conflitos armados.
Após anos de pressão do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, conforme sigla em inglês), tanto o Secretariado-Geral da quanto o Conselho de Segurança passaram a adotar a linguagem da proteção de civis na agenda humanitária. A começar por 1999, somam-se cinco relatórios sobre proteção de civis apresentados pelo Secretário-Geral ao Conselho. Os relatórios são preparados pelo OCHA em consulta aos demais departamentos da ONU e agências humanitárias de reconhecida atuação em campo.
De modo sintético, a proteção de civis é um princípio que assume tanto papel de regra quanto de linguagem dentro da ONU. Baseada nas Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais, a PoC não é uma categoria jurídica fechada, mas um princípio normativo que tem a garantia da preservação da vida de não-combates em conflitos armados. Trata-se de aplicação de um preceito básico presente tanto no Direito Internacional Humanitário quanto no Direito Internacional de Direitos Humanos. Ou seja, indivíduos e populações que não estejam diretamente engajados em um combate devem ter suas vidas preservadas e sua proteção contra quaisquer formas de ameaça garantida.
Pensar a proteção de civis deste modo é uma abordagem exclusiva ou negativa, isto é, restrita apenas a ameaças diretas que caracterizam conflitos armados. Há, contudo, outras formas de violência presentes em cenários de vulnerabilidade social, para as quais há outras abordagens mais inclusivas ou positivas de proteções de civis. Agendas como segurança alimentar, gênero, violência sexual, infância e refúgio configuram-se entre os modos inclusivos de proteção de civis.
Outra questão central na discussão sobre a proteção de civis é a definição de quem deve prover a proteção. Por um lado, se reconhece que a proteção de populações não é uma exclusividade dos capacetes azuis da ONU ou de agentes armados públicos ou privados. Há também o civil, homens, mulheres e crianças que também devem ser entendidos como agentes protetores. Esta perspectiva encontra maior resistência entre os estados-membros da ONU, o que em geral se explica por uma agenda tradicional de defesa centrada no estado e seus agentes.
Por outro lado, a proteção de civis também impõe outra questão fundamental: o que fazer quando o protetor se torna o próprio violador? Exemplo disso são os casos de abuso do uso da força por capacetes azuis ou de exploração sexual das populações locais pelos mesmos.
Estas e outras questões guiam a atividade dos pesquisadores do Grupo de Trabalho em Proteção de Civis da REBRAPAZ.
A seguir, algumas indicações introdutórias para quem quiser saber mais sobre proteção de civis, particularmente no âmbito das Nações Unidas:
Fontes online:
– Comitê Internacional da Cruz Vermelha, “Enhancing Protection for Civilians in Armed Conflict and Other Situations of Violence” (2017)
– Escritório de Coordenação e Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA), “Protection of Civilians Report | 9 – 22 October 2018”
– Security Council Report, Publication on Protection of Civilian, (diversas datas)
– Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas (DPKO), Protection of Civilians Mandate, (2018)
– Report of the Independent High-level Panel on Peace Operations(2015)
Livros:
– Foley, C. (2017). UN Peacekeeping Operations and the Protection of Civilians: Saving Succeeding Generations. Cambridge: Cambridge University Press.
– Willmot H, Mamiya R, Sheeran S, Weller M, eds. (2016) Protection of Civilians. Oxford University Press.
– Carvalho, B. Sending, O. J., Egeland, J. (2013) Protection of civilians in un peacekeeping: concept, implementation and practice. Baden-Baden: Nomos.
* Gustavo Macedo (USP) é coordenador do Grupo de Trabalho de Proteção de Civis da REBRAPAZ. Esse texto preparado para o site da REBRAPAZ (31/10/2018).